quinta-feira, 29 de outubro de 2009

in-esperado
















quem diria, quem diria
saí caminhando sozinho
e encontrei na esquina
um pouco de poesia.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

A origem do mundo

A guerra civil da Espanha tinha terminado fazia poucos anos, e a cruz e a espada reinavam sobre as ruínas da República. Um dos vencidos, um operário anarquista, recém-saído da cadeia, procurava trabalho. Virava céu e terra, em vão. Não havia trabalho para um comuna. Todo mundo fechava a cara, sacudia os ombros ou virava as costas. Não se entendia com ninguém, ninguém o escutava. O vinho era o único amigo que sobrava. Pelas noites, na frente dos pratos vazios, suportava sem dizer nada as queixas de sua esposa beata, mulher de missa diária, enquanto o filho, um menino pequeno, recitava o catecismo para ele ouvir.
Muito tempo depois, Josep Verdura, o filho daquele operário maldito, me contou. Contou em Barcelona, quando cheguei ao exílio. Contou: ele era um menino desesperado que queria salvar o pai da condenação eterna e aquele ateu, aquele teimoso, não entendia.
- Mas papai - disse Josep, chorando -, se Deus não existe, quem fez o mundo?
- Bobo - disse o operário, cabisbaixo, quase que segredando. - Bobo. Quem fez o mundo fomos nós, os pedreiros.

Eduardo Galeano, em O livro dos abraços.

quanto tempo?

fico ali
parado perdido
levado por um som,
imagem ou ação
até retomar
a direção.

sábado, 17 de outubro de 2009

ação
























A guerra em mim.
Desejo de destruir.
Fome de miséria,
de terra arrasada.
Tudo de destrutivo
que habita o noticiário
e o mundo
habita também
o coração.


"a guerra, crianças,
está a um tiro de distância"

Gimme Shelter, de Mick jagger e Keith Richards.


"somos ilhas uns para os outros
construindo pontes esperançosas
em um mar agitado"

Entre Nous, de Neil Peart

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

















Quando perguntaram a Joshu o que era o Tao (ou a verdade do zen) ele respondeu: "A vossa vida cotidiana é o tao". Em outras palavras, uma calma autoconfiante. Esta é a verdade que quero exprimir quando afirmo que o zen é eminentemente prático. Ele apela diretamente à vida, não fazendo sequer referência à alma, ou a deus, ou a coisa alguma que interfira ou perturbe o ordinário curso vital. A idéia do zen é de captar a vida assim como ela é. Não há nada de misterioso e extraordinário a respeito do zen. Ergo a minha mão, ou apanho um livro do outro lado da mesa, ou ouço os garotos jogando bola na rua, ou vejo as nuvens além serem dispersadas sobre a floresta - em tudo isso estou praticando o zen. Estou vivendo o zen. Nenhuma discussão verbal é necessária, nem qualquer explicação. Não sei porque, e também não há necessidade de explicação, mas quando o sol surge, todo o mundo dança de alegria, e o coração de todos enche-se de júbilo. Se o zen é depois de tudo concebível, é aqui que deve ser apreendido.

Daisetz Teitaro Suzuki, em Introdução ao zen-budismo

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

segunda-feira teia

bolhas de sabão
que nunca consigo pegar
e nunca explodem.
como a aranha trabalhando dia e noite
repito o trajeto várias vezes
mas acabo preso em minha teia.
um degrau faltando termina a escada
sem força para inventar o suporte
do passo criativo na caminhada.
depois de muito suor
melhor mesmo é relaxar
e deixar as moscas pousarem em mim.

GUSTAVO.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Fita amarela
























Quero que o sol não invada o meu caixão
Para minha pobre alma não morrer de insolação

Fico contente, consolado de saber
Que as morenas tão formosas
A terra um dia há de comer

Não tenho herdeiros, não possui um só vintém
Eu vivi devendo a todos, mas não paguei ninguém

Meus inimigos que hoje falam mal de mim
Vão dizer que nunca viram uma pessoa tão boa assim

Quando eu morrer, não quero choro nem vela
Quero uma fita amarela, gravada com o nome dela
Não quero flores, nem coroa com espinho
Só quero choro de flauta, violão e cavaquinho

Noel Rosa, Fita amarela (composta em 1932)