terça-feira, 16 de novembro de 2010

Telma Scherer detida pela polícia




Enquanto eu estava fazendo a minha performance, na Praça da Alfândega, fui cercada por aproximadamente dez policiais e retirada de lá contra a minha vontade.

Os policiais primeiro me levaram para fora da Praça, longe das luzes da Feira, acompanhada pelos brigadianos e duas motos, na presença de um grande público, amigos, leitores.

Perguntei o que estava acontecendo e disseram que eu precisava me identificar.

Depois me pegaram pelo braço e me puseram dentro de uma viatura com quatro policiais. Perguntei o que estava acontecendo e me disseram que eu estava sendo levada para fazer exames médicos. Eu chorava copiosamente pensando que, diante do público da Feira, eu era tratada como uma doente mental, bandida, criminosa, perturbadora da paz. E sem entender o que estava acontecendo, o que fiz de culpável.

Não fizeram qualquer exame. Apenas aguardei até que o vice-presidente da Feira chegou na delegacia e conversamos. Eu falei o óbvio: que a imagem poética é plurissignificativa, eu estava realizando uma manifestação artística, apenas, e em nenhum momento compreendi qual o crime que eu estava cometendo e nem o porque de ser retirada dessa forma.

Eu quis apenas expressar sentimentos relacionados à vivência que tive nos últimos meses, quando acumulei muitas contas e tive que deixar o apartamento onde morava. Formei com as contas uma imagem poética em três dimensões, pus meu corpo em cena e utilizei alguns objetos cênicos.

O público parece ter se identificado, pois foi muito receptivo e acolhedor. Foi por causa dele que fiquei até o fim. Agradeço às pessoas que se manifestaram apoiando-me e inclusive revoltando-se com aquela situação.

O público leitor. Foi para encontrá-lo que fiz minha performance. Ela não incentiva a leitura? O vice presidente da Câmara disse que o objetivo da Feira é incentivar a leitura, quando o perguntei.

É para o público que eu escrevo e pretendo escrever o melhor possível. Ainda que, às vezes, seja difícil encontrar um lugar adequado para isso.

Estou chocada e sem compreender o porque de toda essa truculência com uma escritora em praça pública. Ora, uma escritora conversando com o público em um evento literário de repente tem de ser retirada dessa forma, como se estivesse cometendo crimes hediondos? Cada um interpreta uma performance à sua maneira, se o chapéu caiu certeiro na consciência de quem se incomodou com a minha presença, não posso fazer mais do que dizer: essa interpretação é sua.

O pior foi ter de interromper a minha performance. Eu estava em cena. Já fui contratada tantas vezes para fazer performances de poesia pelos próprios promotores do evento. Se buscarem os guias da Feira dos anos anteriores verão que estive na programação de 2009, 2008, 2007... Em 2010, não enviei propostas de atividades simplesmente porque, no ano passado, cansei demais. Convidaram-me para o Feira Fora da Feira, aceitei, e estou fazendo performances nas comunidades, aos sábados. Já estive na Lomba do Pinheiro, na Tristeza e amanhã, abalada moralmente, humilhada e entristecida, irei até o Morro da Cruz cumprir a atividade do Feira Fora da Feira.

Por que fui calada?

domingo, 31 de outubro de 2010

Os doutores do pessimismo

Não é preciso ser um grande gênio para constatar que vivemos num mundo bárbaro.
Que o ser humano é capaz das maiores atrocidades. Que a vida é feita de competição, inveja, egoísmo e crueldade.
Ninguém precisa ter vivido num campo de prisioneiros na Sibéria nem ter sido moleque de rua no Capão Redondo para saber disso. Mas virou moda entre muitos intelectuais e jornalistas anunciar uma espécie de “visão trágica” do mundo, como se se tratasse da mais surpreendente novidade.
Com certeza, há nisso uma reação saudável contra o excesso de otimismo. Durante o século 20, grande parte da esquerda não quis ver as barbaridades cometidas por Stálin e Mao porque, em última instância, “tudo iria dar certo”. Belas esperanças tornaram-se pretexto para atos de horror. Nada mais correto do que denunciar o horror.
O que me parece estranho é que, mais do que denunciar o horror, esses pensadores trágicos e jornalistas sombrios gostam de destruir as esperanças.
O reconhecimento do Mal, a crítica à violência da esquerda, a percepção de que ninguém é “bonzinho” e de que a realidade é uma coisa dura e feia vão se transformando em algo próximo do fascínio.
E, com diferentes níveis de elaboração e de cortesia pessoal, esses autores tendem a fazer do fascínio uma estratégia de choque.
Quanto mais chocarem o pensamento corrente (que considera ruim bombardear crianças e bom defender a Amazônia, por exemplo) mais ganharão em originalidade, leitura e cartas de protesto. Parece existir uma competição nas páginas dos jornais e na internet para ver quem conseguirá ser o mais “durão”, o mais “realista”, o mais desencantado.
Há diferenças notáveis de atitude e de opinião entre pessoas como Luiz Felipe Pondé, João Pereira Coutinho, Demétrio Magnolli ou Reinaldo Azevedo. Mas é um time e tanto, e minha experiência pessoal com a violência do ser humano, adquirida nos pátios de recreio do ginásio, é suficiente para não querer polemizar com alguns deles.
Não vou, portanto, individualizar as minhas críticas. Mas, de modo geral, os “durões” do mundo opinativo parecem correr um mesmo risco. A crítica às utopias do século 20 faz sentido, com certeza, mas termina funcionando para justificar muitos erros e abusos do presente -desde que sejam suficientemente “não-utópicos”. Será chamado de ingênuo ou nostálgico todo aquele que quiser algo melhor do que o mundo em que se vive.
Nem todos os “durões” de que falo abdicam desse “melhorismo”. Mas ai de quem tiver ideias um pouquinho mais à esquerda do que as deles -o que não é difícil.
Às vezes, a crítica ao stalinismo se compraz em tornar stalinista quem se afaste um milímetro das opiniões de quem a professa. Outras vezes, a crítica às velhas utopias tende a se transformar numa glorificação da realidade.
Curiosamente, então, aquilo que deveria ser ponto de partida se torna ponto de chegada. O mundo é horrível e a realidade é cruel. É um ingênuo quem quiser mudar essa situação. O horror e a crueldade fazem parte da paisagem. Melhor assim, quem sabe: nós, pelo menos, tiramos disso a satisfação de não sermos ingênuos.
Você está esperançoso com a vitória de Obama? Ouço um risinho: que otário. Mas fico feliz de nunca ter sido otário a respeito de Bush. Você se choca com as crianças mortas em Gaza? Ouço um risinho: os militares israelenses entendem mais do problema que você.
Você quer que se preservem as reservas indígenas da Amazônia? Mais um risinho: os militares brasileiros entendem mais do problema que você, que pensa ser bonzinho mas é tão malvado como todos nós.
Pois o ser humano é mau, desgraçado e infeliz, desde que foi expulso do Paraíso. Você não sabe disso?
O que sei é algumas pessoas foram expulsas do Paraíso para morar numa mansão em Beverly Hills, e outras para morar em Darfur. Todo o poder aos poderosos, toda realidade aos realistas, e todas as bombas para quem ficar no meio do caminho. Eis o resumo da atitude dos “durões”. Mas quem precisa de articulistas num mundo desses? Os militares dão conta do recado.

Texto de Marcelo Coelho, publicado na Folha de São Paulo

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Tropa de Elite 2

Tropa de Elite 2 amadurece em relação ao primeiro. Acho que Padilha conseguiu dar continuidade à história equilibrando ação e ficção sem se perder. A questão dos usuários é deixada de lado para se mostrar algo ainda mais chocante: como o tráfico e a corrupção estão enraizados no sistema, não apenas nos políticos em si, mas no fazer político do Brasil.

A saída pela violência, que não é uma alternativa democrática, serve, no filme, para extravasar o engasgo com todo o descaso com que o povo é tratado em nome do poder. A cena do encontro do Nascimento com um político figurão do filme me lembrou o trabalho polêmico de Gil Vicente na Bienal de São Paulo, no qual o artista se retrata executanto políticos e líderes mundiais. Não uma inspiração, como o próprio Gil falou, mas um desabafo.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Em época de mentiras...

...algumas verdades alimentam o espírito.

Tu que és da direção das massas investido,
tu que vingas o crime e que o povo defendes,
e executas a lei penal, e do bandido
no topo de uma forca, o cadáver suspendes;

Tu que tens o canhão, a tropa, a artilharia,
tu mesmo és quem fuzila a inerme poupulaça;
incurso está também no código e devia
pra ti também se erguer uma fôrca na praça!


Ao poder público, Raimundo Correia (1 de janeiro de 1880)

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

sábado, 18 de setembro de 2010

Alegria cigana

Impregnado pela música universal de Goran, posto um vídeo que é parte do filme Latcho Drom, sobre os ciganos. A interação e o senso de comunhão que o show do Goran proporcionou me lembrou muito essa imagem da comunidade cigana, sua união e alegria.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Show de Goran vira festa

Goran Bregovic se apresentou ontem no Teatro do Bourbon Country. Sua "banda", composta de cordas, metais, duas cantoras búlgaras, coro masculino e um percussionista, faz música de um estilo de comunicação universal.
Desde o início o show foi emocionante, causando aplausos efusivos e gritos da platéia, até o momento em que, durante uma música muito boa para dançar, um pequeno grupo da platéia baixa levantou de suas poltronas. Isso fez com que mais gente se levantasse, o que fez com que pessoas saíssem correndo pelos corredores para dançar perto do palco, transformando o encontro em uma festa. Dançamos. Dançamos como se não fossemos vistos, como se não estivéssemos num teatro e sim numa festa popular. Dançamos como num encontro sagrado.
Uma catarse que eu nunca tinha presenciado num teatro, muito pelo contrário, um espaço que intimida pela racionalidade da disposição e a limitação das cadeiras. Ontem, para ficar na memória dos que estavam lá, todas as barreiras físicas e sociais cederam à vontade de ser humano e comungar alegria.
Dançamos todos juntos, desconhecidos, de diferentes idades, diferentes idéias, livres por um instante eterno. A festa que se instalou só não agradou a alguns e aos seguranças. Não adiantou pedir que sentássemos: a alegria havia contagiado a todos de maneira irremediável e obscena. Dançamos com liberdade.

Goran comungou contente, brindou a nossa saúde e comentou, no meio da alegria de uma música inesquecível: "se você não pode enlouquecer, você não é normal". Rimos e regozijamos: todos éramos loucos.

sábado, 28 de agosto de 2010

Trovão


Não há filtros agora.
O som é uma existência
o som existe como eu
existe para dentro de mim
pelo ouvido até o centro
do centro para as extremidades.
Como o lago reagindo ao golpe
para voltar à serenidade.
Nesse momento meu papel no mundo
se desfaz
a sombra se pôs.
Ao mesmo tempo sou mais parte do mundo
como a raiz,
que não se vê.

GUSTAVO.