domingo, 31 de outubro de 2010

Os doutores do pessimismo

Não é preciso ser um grande gênio para constatar que vivemos num mundo bárbaro.
Que o ser humano é capaz das maiores atrocidades. Que a vida é feita de competição, inveja, egoísmo e crueldade.
Ninguém precisa ter vivido num campo de prisioneiros na Sibéria nem ter sido moleque de rua no Capão Redondo para saber disso. Mas virou moda entre muitos intelectuais e jornalistas anunciar uma espécie de “visão trágica” do mundo, como se se tratasse da mais surpreendente novidade.
Com certeza, há nisso uma reação saudável contra o excesso de otimismo. Durante o século 20, grande parte da esquerda não quis ver as barbaridades cometidas por Stálin e Mao porque, em última instância, “tudo iria dar certo”. Belas esperanças tornaram-se pretexto para atos de horror. Nada mais correto do que denunciar o horror.
O que me parece estranho é que, mais do que denunciar o horror, esses pensadores trágicos e jornalistas sombrios gostam de destruir as esperanças.
O reconhecimento do Mal, a crítica à violência da esquerda, a percepção de que ninguém é “bonzinho” e de que a realidade é uma coisa dura e feia vão se transformando em algo próximo do fascínio.
E, com diferentes níveis de elaboração e de cortesia pessoal, esses autores tendem a fazer do fascínio uma estratégia de choque.
Quanto mais chocarem o pensamento corrente (que considera ruim bombardear crianças e bom defender a Amazônia, por exemplo) mais ganharão em originalidade, leitura e cartas de protesto. Parece existir uma competição nas páginas dos jornais e na internet para ver quem conseguirá ser o mais “durão”, o mais “realista”, o mais desencantado.
Há diferenças notáveis de atitude e de opinião entre pessoas como Luiz Felipe Pondé, João Pereira Coutinho, Demétrio Magnolli ou Reinaldo Azevedo. Mas é um time e tanto, e minha experiência pessoal com a violência do ser humano, adquirida nos pátios de recreio do ginásio, é suficiente para não querer polemizar com alguns deles.
Não vou, portanto, individualizar as minhas críticas. Mas, de modo geral, os “durões” do mundo opinativo parecem correr um mesmo risco. A crítica às utopias do século 20 faz sentido, com certeza, mas termina funcionando para justificar muitos erros e abusos do presente -desde que sejam suficientemente “não-utópicos”. Será chamado de ingênuo ou nostálgico todo aquele que quiser algo melhor do que o mundo em que se vive.
Nem todos os “durões” de que falo abdicam desse “melhorismo”. Mas ai de quem tiver ideias um pouquinho mais à esquerda do que as deles -o que não é difícil.
Às vezes, a crítica ao stalinismo se compraz em tornar stalinista quem se afaste um milímetro das opiniões de quem a professa. Outras vezes, a crítica às velhas utopias tende a se transformar numa glorificação da realidade.
Curiosamente, então, aquilo que deveria ser ponto de partida se torna ponto de chegada. O mundo é horrível e a realidade é cruel. É um ingênuo quem quiser mudar essa situação. O horror e a crueldade fazem parte da paisagem. Melhor assim, quem sabe: nós, pelo menos, tiramos disso a satisfação de não sermos ingênuos.
Você está esperançoso com a vitória de Obama? Ouço um risinho: que otário. Mas fico feliz de nunca ter sido otário a respeito de Bush. Você se choca com as crianças mortas em Gaza? Ouço um risinho: os militares israelenses entendem mais do problema que você.
Você quer que se preservem as reservas indígenas da Amazônia? Mais um risinho: os militares brasileiros entendem mais do problema que você, que pensa ser bonzinho mas é tão malvado como todos nós.
Pois o ser humano é mau, desgraçado e infeliz, desde que foi expulso do Paraíso. Você não sabe disso?
O que sei é algumas pessoas foram expulsas do Paraíso para morar numa mansão em Beverly Hills, e outras para morar em Darfur. Todo o poder aos poderosos, toda realidade aos realistas, e todas as bombas para quem ficar no meio do caminho. Eis o resumo da atitude dos “durões”. Mas quem precisa de articulistas num mundo desses? Os militares dão conta do recado.

Texto de Marcelo Coelho, publicado na Folha de São Paulo

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Tropa de Elite 2

Tropa de Elite 2 amadurece em relação ao primeiro. Acho que Padilha conseguiu dar continuidade à história equilibrando ação e ficção sem se perder. A questão dos usuários é deixada de lado para se mostrar algo ainda mais chocante: como o tráfico e a corrupção estão enraizados no sistema, não apenas nos políticos em si, mas no fazer político do Brasil.

A saída pela violência, que não é uma alternativa democrática, serve, no filme, para extravasar o engasgo com todo o descaso com que o povo é tratado em nome do poder. A cena do encontro do Nascimento com um político figurão do filme me lembrou o trabalho polêmico de Gil Vicente na Bienal de São Paulo, no qual o artista se retrata executanto políticos e líderes mundiais. Não uma inspiração, como o próprio Gil falou, mas um desabafo.