terça-feira, 16 de novembro de 2010

Telma Scherer detida pela polícia




Enquanto eu estava fazendo a minha performance, na Praça da Alfândega, fui cercada por aproximadamente dez policiais e retirada de lá contra a minha vontade.

Os policiais primeiro me levaram para fora da Praça, longe das luzes da Feira, acompanhada pelos brigadianos e duas motos, na presença de um grande público, amigos, leitores.

Perguntei o que estava acontecendo e disseram que eu precisava me identificar.

Depois me pegaram pelo braço e me puseram dentro de uma viatura com quatro policiais. Perguntei o que estava acontecendo e me disseram que eu estava sendo levada para fazer exames médicos. Eu chorava copiosamente pensando que, diante do público da Feira, eu era tratada como uma doente mental, bandida, criminosa, perturbadora da paz. E sem entender o que estava acontecendo, o que fiz de culpável.

Não fizeram qualquer exame. Apenas aguardei até que o vice-presidente da Feira chegou na delegacia e conversamos. Eu falei o óbvio: que a imagem poética é plurissignificativa, eu estava realizando uma manifestação artística, apenas, e em nenhum momento compreendi qual o crime que eu estava cometendo e nem o porque de ser retirada dessa forma.

Eu quis apenas expressar sentimentos relacionados à vivência que tive nos últimos meses, quando acumulei muitas contas e tive que deixar o apartamento onde morava. Formei com as contas uma imagem poética em três dimensões, pus meu corpo em cena e utilizei alguns objetos cênicos.

O público parece ter se identificado, pois foi muito receptivo e acolhedor. Foi por causa dele que fiquei até o fim. Agradeço às pessoas que se manifestaram apoiando-me e inclusive revoltando-se com aquela situação.

O público leitor. Foi para encontrá-lo que fiz minha performance. Ela não incentiva a leitura? O vice presidente da Câmara disse que o objetivo da Feira é incentivar a leitura, quando o perguntei.

É para o público que eu escrevo e pretendo escrever o melhor possível. Ainda que, às vezes, seja difícil encontrar um lugar adequado para isso.

Estou chocada e sem compreender o porque de toda essa truculência com uma escritora em praça pública. Ora, uma escritora conversando com o público em um evento literário de repente tem de ser retirada dessa forma, como se estivesse cometendo crimes hediondos? Cada um interpreta uma performance à sua maneira, se o chapéu caiu certeiro na consciência de quem se incomodou com a minha presença, não posso fazer mais do que dizer: essa interpretação é sua.

O pior foi ter de interromper a minha performance. Eu estava em cena. Já fui contratada tantas vezes para fazer performances de poesia pelos próprios promotores do evento. Se buscarem os guias da Feira dos anos anteriores verão que estive na programação de 2009, 2008, 2007... Em 2010, não enviei propostas de atividades simplesmente porque, no ano passado, cansei demais. Convidaram-me para o Feira Fora da Feira, aceitei, e estou fazendo performances nas comunidades, aos sábados. Já estive na Lomba do Pinheiro, na Tristeza e amanhã, abalada moralmente, humilhada e entristecida, irei até o Morro da Cruz cumprir a atividade do Feira Fora da Feira.

Por que fui calada?

domingo, 31 de outubro de 2010

Os doutores do pessimismo

Não é preciso ser um grande gênio para constatar que vivemos num mundo bárbaro.
Que o ser humano é capaz das maiores atrocidades. Que a vida é feita de competição, inveja, egoísmo e crueldade.
Ninguém precisa ter vivido num campo de prisioneiros na Sibéria nem ter sido moleque de rua no Capão Redondo para saber disso. Mas virou moda entre muitos intelectuais e jornalistas anunciar uma espécie de “visão trágica” do mundo, como se se tratasse da mais surpreendente novidade.
Com certeza, há nisso uma reação saudável contra o excesso de otimismo. Durante o século 20, grande parte da esquerda não quis ver as barbaridades cometidas por Stálin e Mao porque, em última instância, “tudo iria dar certo”. Belas esperanças tornaram-se pretexto para atos de horror. Nada mais correto do que denunciar o horror.
O que me parece estranho é que, mais do que denunciar o horror, esses pensadores trágicos e jornalistas sombrios gostam de destruir as esperanças.
O reconhecimento do Mal, a crítica à violência da esquerda, a percepção de que ninguém é “bonzinho” e de que a realidade é uma coisa dura e feia vão se transformando em algo próximo do fascínio.
E, com diferentes níveis de elaboração e de cortesia pessoal, esses autores tendem a fazer do fascínio uma estratégia de choque.
Quanto mais chocarem o pensamento corrente (que considera ruim bombardear crianças e bom defender a Amazônia, por exemplo) mais ganharão em originalidade, leitura e cartas de protesto. Parece existir uma competição nas páginas dos jornais e na internet para ver quem conseguirá ser o mais “durão”, o mais “realista”, o mais desencantado.
Há diferenças notáveis de atitude e de opinião entre pessoas como Luiz Felipe Pondé, João Pereira Coutinho, Demétrio Magnolli ou Reinaldo Azevedo. Mas é um time e tanto, e minha experiência pessoal com a violência do ser humano, adquirida nos pátios de recreio do ginásio, é suficiente para não querer polemizar com alguns deles.
Não vou, portanto, individualizar as minhas críticas. Mas, de modo geral, os “durões” do mundo opinativo parecem correr um mesmo risco. A crítica às utopias do século 20 faz sentido, com certeza, mas termina funcionando para justificar muitos erros e abusos do presente -desde que sejam suficientemente “não-utópicos”. Será chamado de ingênuo ou nostálgico todo aquele que quiser algo melhor do que o mundo em que se vive.
Nem todos os “durões” de que falo abdicam desse “melhorismo”. Mas ai de quem tiver ideias um pouquinho mais à esquerda do que as deles -o que não é difícil.
Às vezes, a crítica ao stalinismo se compraz em tornar stalinista quem se afaste um milímetro das opiniões de quem a professa. Outras vezes, a crítica às velhas utopias tende a se transformar numa glorificação da realidade.
Curiosamente, então, aquilo que deveria ser ponto de partida se torna ponto de chegada. O mundo é horrível e a realidade é cruel. É um ingênuo quem quiser mudar essa situação. O horror e a crueldade fazem parte da paisagem. Melhor assim, quem sabe: nós, pelo menos, tiramos disso a satisfação de não sermos ingênuos.
Você está esperançoso com a vitória de Obama? Ouço um risinho: que otário. Mas fico feliz de nunca ter sido otário a respeito de Bush. Você se choca com as crianças mortas em Gaza? Ouço um risinho: os militares israelenses entendem mais do problema que você.
Você quer que se preservem as reservas indígenas da Amazônia? Mais um risinho: os militares brasileiros entendem mais do problema que você, que pensa ser bonzinho mas é tão malvado como todos nós.
Pois o ser humano é mau, desgraçado e infeliz, desde que foi expulso do Paraíso. Você não sabe disso?
O que sei é algumas pessoas foram expulsas do Paraíso para morar numa mansão em Beverly Hills, e outras para morar em Darfur. Todo o poder aos poderosos, toda realidade aos realistas, e todas as bombas para quem ficar no meio do caminho. Eis o resumo da atitude dos “durões”. Mas quem precisa de articulistas num mundo desses? Os militares dão conta do recado.

Texto de Marcelo Coelho, publicado na Folha de São Paulo

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Tropa de Elite 2

Tropa de Elite 2 amadurece em relação ao primeiro. Acho que Padilha conseguiu dar continuidade à história equilibrando ação e ficção sem se perder. A questão dos usuários é deixada de lado para se mostrar algo ainda mais chocante: como o tráfico e a corrupção estão enraizados no sistema, não apenas nos políticos em si, mas no fazer político do Brasil.

A saída pela violência, que não é uma alternativa democrática, serve, no filme, para extravasar o engasgo com todo o descaso com que o povo é tratado em nome do poder. A cena do encontro do Nascimento com um político figurão do filme me lembrou o trabalho polêmico de Gil Vicente na Bienal de São Paulo, no qual o artista se retrata executanto políticos e líderes mundiais. Não uma inspiração, como o próprio Gil falou, mas um desabafo.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Em época de mentiras...

...algumas verdades alimentam o espírito.

Tu que és da direção das massas investido,
tu que vingas o crime e que o povo defendes,
e executas a lei penal, e do bandido
no topo de uma forca, o cadáver suspendes;

Tu que tens o canhão, a tropa, a artilharia,
tu mesmo és quem fuzila a inerme poupulaça;
incurso está também no código e devia
pra ti também se erguer uma fôrca na praça!


Ao poder público, Raimundo Correia (1 de janeiro de 1880)

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

sábado, 18 de setembro de 2010

Alegria cigana

Impregnado pela música universal de Goran, posto um vídeo que é parte do filme Latcho Drom, sobre os ciganos. A interação e o senso de comunhão que o show do Goran proporcionou me lembrou muito essa imagem da comunidade cigana, sua união e alegria.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Show de Goran vira festa

Goran Bregovic se apresentou ontem no Teatro do Bourbon Country. Sua "banda", composta de cordas, metais, duas cantoras búlgaras, coro masculino e um percussionista, faz música de um estilo de comunicação universal.
Desde o início o show foi emocionante, causando aplausos efusivos e gritos da platéia, até o momento em que, durante uma música muito boa para dançar, um pequeno grupo da platéia baixa levantou de suas poltronas. Isso fez com que mais gente se levantasse, o que fez com que pessoas saíssem correndo pelos corredores para dançar perto do palco, transformando o encontro em uma festa. Dançamos. Dançamos como se não fossemos vistos, como se não estivéssemos num teatro e sim numa festa popular. Dançamos como num encontro sagrado.
Uma catarse que eu nunca tinha presenciado num teatro, muito pelo contrário, um espaço que intimida pela racionalidade da disposição e a limitação das cadeiras. Ontem, para ficar na memória dos que estavam lá, todas as barreiras físicas e sociais cederam à vontade de ser humano e comungar alegria.
Dançamos todos juntos, desconhecidos, de diferentes idades, diferentes idéias, livres por um instante eterno. A festa que se instalou só não agradou a alguns e aos seguranças. Não adiantou pedir que sentássemos: a alegria havia contagiado a todos de maneira irremediável e obscena. Dançamos com liberdade.

Goran comungou contente, brindou a nossa saúde e comentou, no meio da alegria de uma música inesquecível: "se você não pode enlouquecer, você não é normal". Rimos e regozijamos: todos éramos loucos.

sábado, 28 de agosto de 2010

Trovão


Não há filtros agora.
O som é uma existência
o som existe como eu
existe para dentro de mim
pelo ouvido até o centro
do centro para as extremidades.
Como o lago reagindo ao golpe
para voltar à serenidade.
Nesse momento meu papel no mundo
se desfaz
a sombra se pôs.
Ao mesmo tempo sou mais parte do mundo
como a raiz,
que não se vê.

GUSTAVO.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Na boiada já fui boi


Em 1966 Jair Rodrigues, cantando Disparada (de Geraldo Vandré e Théo de Barros), empatou em primeiro lugar no II Festival da Música Popular da TV Record com A Banda, de Chico Buarque.

Uma das partes mais emocionantes do vídeo é o olhar do policial (ou militar) para o músico, que declama bravamente os versos:

"Porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata
mas com gente é diferente..."

Lembrando que eu 1966, o Brasil vivia um momento em que a ditadura já estava instalada, e começando a endurecer. A sociedade já sentia a repressão, mas nem sabia o que viria pela frente.



sexta-feira, 13 de agosto de 2010

FP




Pequeno é o espaço que de nós separa
O que havemos de ser quando morrermos.
Não conhecemos quem será então
Aquele que hoje somos.

Só o passado, a ele e a nós comum,
Será indício de que a nossa alma
Persiste e como antiga ama, conta
Histórias esquecidas

Se pudéssemos pôr o pensamento
Com exata visão adentro à vida
Que havemos de ter naquela hora,
Estranhos olharíamos

O que somos, cuidando ver um outro
E o espaço temporal que hoje habitamos
Luz onde nossa alma nasceu
Perdida antes de a termos.

Fernando Pessoa 31/1/1922

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Censura 2010


Sabe-se que o humor é um meio de distanciamento crítico e de tornar explícitos temas que estão sendo tratados como pano de fundo (ou que estão sendo abafados pela seriedade mórbida e anestésica). Mais do que isso, o humor desperta o interesse e fomenta o debate.

Mas não é o que vai acontecer nas eleições desse ano, pois o humor está banido. Os meios de comunicação estão proibidos de fazer humor com os candidatos. É uma censura, um retrocesso histórico, e uma maneira equivocada (no mínimo) de tentar aumentar o nível do debate político.






Se pensam que a população não é capaz de decidir por si mesma em quem votar, ou que é com humor que se compram votos nesse país, estão equivocados.



terça-feira, 27 de julho de 2010

Piva

"Sou uma metralhadora em estado de graça", disse ele, o poeta, bruxo, louco, Roberto Piva. Se foi faz pouco, estremecendo a passagem de nosso mundo para o outro.


Praça da República dos meus sonhos

A estátua de Álvares de Azevedo é devorada com paciência pela paisagem
de morfina
a praça leva pontes aplicadas no centro de seu corpo e crianças brincando
na tarde de esterco
Praça da República dos meus sonhos
onde tudo se faz febre e pombas crucificadas
onde beatificados vêm agitar as massas
onde Garcia Lorca espera seu dentista
onde conquistamos a imensa desolação dos dias mais doces
os meninos tiveram seus testículos espetados pela multidão
lábios coagulam sem estardalhaço
os mictórios tomam um lugar na luz
e os coqueiros se fixam onde o vento desarruma os cabelos
Delirium Tremens diante do Paraíso bundas glabras sexos de papel
anjos deitados nos canteiros cobertos de cal água fumegante nas
privadas cérebros sulcados de acenos
os veterinários passam lentos lendo Dom Casmurro
há jovens pederastas embebidos em lilás
e putas com a noite passeando em torno de suas unhas
há uma gota de chuva na cabeleira abandonada
enquanto o sangue faz naufragar as corolas
Oh minhas visões lembranças de Rimbaud praça da República dos meus
Sonhos última sabedoria debruçada numa porta santa

Roberto Piva

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Consumo x Ambiente

Vários estudos têm alertado que tanto a população da Terra quanto seus níveis de consumo crescem mais rapidamente do que a capacidade de regeneração dos sistemas naturais. Um dos mais recentes, o relatório Planeta Vivo, elaborado pela ONG internacional WWF, estima que atualmente três quartos da população mundial vivem em países que consomem mais recursos do que conseguem repor.

Só Estados Unidos e China consomem, cada um, 21% dos recursos naturais do planeta. Até 1960, a maior parte dos países vivia dentro de seus limites ecológicos. Em poucas décadas do atual modelo de produção e consumo, a humanidade exauriu 60% da água disponível e dizimou um terço das espécies vivas do planeta.

"O argumento de que o crescimento econômico é a solução já não basta. Não há recursos naturais para suportar o crescimento constante. A Terra é finita e a economia clássica sempre ignorou essa verdade elementar", afirma o ecoeconomista Hugo Penteado, autor do livro Ecoeconomia - Uma Nova Abordagem.

Para a Ecoeconomia, é preciso parar de crescer em níveis exponenciais e reproduzir - ou "biomimetizar" - os ciclos da natureza: para ser sustentável, a economia deve caminhar para ser cada vez mais parecida com os processos naturais.

Segundo o professor da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade, Paulo Durval Branco, embora as empresas venham repetindo a palavra sustentabilidade como um mantra, são pouquíssimas as que fizeram mudanças efetivas em seus modelos de negócio. O desperdício de matérias-primas, o estímulo ao consumismo e a obsolescência programada (bens fabricados com data certa para serem substituídos ) ainda ditam as regras. "Mesmo nas companhias que são consideradas vanguarda em sustentabilidade, essas questões não estão sendo observadas. O paradigma vigente é crescer, conquistar mais consumidores, elevar o lucro do acionista."

Adaptado de Andrea Vialli (texto integral), publicado no Estado de São Paulo.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Arte pelos poros

Entrar em contato com talento não dá!
A gente fica com vontade de cultivar nossos talentos também. Estou aqui sentado dialogando com meu prato de macarrão, digerindo o lançamento do livro Zero Um e a estréia do meu trabalho com Mel ontem no Pé Palito.
Ambos referência de arte para mim, fazem parte desse momento de me apoderar do que podem ser potenciais de expressão e descobrir pra mim mesmo quem eu sou.

Parte do projeto Cabaré do Verbo, nossa estréia como parte do núcleo de montagem da Cia Circular (que também apresentou um número de clown) foi muito bacana!
Para a apresentação, aproveitei na percussão coisas que aprendi com a bateria há algum tempo, e incorporei outros elementos para criar a percussão/sonoplastia da performance. Ao mesmo tempo, Mel declamou/interpretou com loucura o louvor de Rimbaud (ou seria o oposto?), brindando à vida, em um momento especial.
Fico com a felicidade nostálgica do momento tão vivo, e a gratidão de dividir o palco com tamanha generosidade artística.

Escrevo sobre o lançamento do livro no próximo post, junto de um tira-gosto do trabalho.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Lançamento do livro Zero Um

Sexta-feira na Palavraria, Livraria e Café, será lançado o livro do meu amigo, grande poeta e escritor, Guto Leite. Quem puder ir vai conferir um bate-papo muito legal, com certeza.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Bispo é como um pastor. Aquele mesmo, das ovelhas. Seu dever é conduzir o rebanho de fiéis a ele confiados.
Em 1554 o bispo Pero Sardinha foi comido pelos índios ao naufragar no litoral brasileiro. A consagrada metáfora católica de "comer o corpo do repersentante de Deus na terra" foi concretizada com êxito. Comer uma pessoa significava, para os índios, admiração, e a devoração uma tentativa de incorporar as qualidades do outro para si.
Veja bem, por outro lado, ser comido às vezes não é tão virtuoso assim. Um rebanho que não deseja ser, estar ou permanecer colônia, pode acabar por comer seu bispo, quer dizer, pastor. Oswald de Andrade tem mais a nos dizer sobre isso no Manifesto Antropofágico:

"O dia em que os aimorés comeram o bispo Sardinha deve constituir, para nós, a grande data. Data americana, está claro. Nós somos americanos; filhos do continente América; carne e inteligência a serviço da alma da gleba. O fim que reservamos a Pero Vaz de Sardinha tem uma dupla interpretação: era, a um tempo, a admiração nossa por ele (representante de um povo que se esforçara por derrubar aquele presente utópico, que foi dado ao homem ao nascer, e que se chama Felicidade) e a nossa vingança. Porque, que eles viessem aqui nos visitar, está bem, vá lá; mas que eles, hóspedes, nos quisessem impingir seus deuses, seus hábitos, sua língua... isso não! Devoramo-lo. Não tínhamos, de resto, nada mais a fazer."

domingo, 6 de junho de 2010

Deus e o mundo

Deus só fez o mundo porque sua mulher deixou. Numa tarde de domingo, como hoje, já sem sol e um tanto fria, Deus falou com sua mulher, uma Deusa.
- Querida, acho que vou fazer o mundo hoje. Prometo que não demoro.
- Quanto tempo você acha que vai levar?
- Uns 8 dias...
- Ai, não dá pra ser menos? Eu vou ficar sozinha 8 dias?!
- Tá bom, posso fazer em 7.
E deu no que deu.

terça-feira, 1 de junho de 2010

dúvida
rainha do mar
governa sonhos e solidões
prende-me a desejos e trovões
.
flerto contigo
insensatez
cada impulso maldito
de lamber tua tez
.
GUSTAVO

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Sivuca

Trago uma música de um dos maiores sanfoneiros do Brasil e do mundo, Sivuca. O clássico Feira de Mangaio, tocada com o grupo Clã-Brasil.
É pra bater os pés no chão!


sexta-feira, 7 de maio de 2010

Déa Trancoso

Ontem o projeto Unimúsica da UFRGS trouxe para Porto Alegre Déa Trancoso, cantora do Vale do Jequitinhonha (MG). O show foi o primeiro da cantora na capital, foi seu primeiro show com a formação de ontem (ela com sete percussionistas mulheres) e a primeira vez que ela presenteou o público com uma canção de composição própria.
Apesar da força inerente às músicas dos "seus mestres" (como ela diz), músicas do Brasil, cor de terra, cheiro de mato, som de tambor - apesar de tudo isso - uma delicadeza pairava no ar, comandada pela voz de Déa. Quase me senti nos festivais imortais das décadas que não vivi, aplaudindo e pedindo mais sem medo de ganhar mais.
Tão bom ver alguém tão bom fazendo música sem se contrair em grandes expectativas sobre si e sobre sua performance. A apresentação foi algo natural, como uma chuva de verão, que agracia os transeuntes. O povo pediu tanto bis que ela se deu conta, "acho que tenho que gravar um disco com essas mulheres".
Passam as notas, passam as palavras, os tons, os timbres, e levam consigo mal-humores, dores de espírito e até do corpo, lavam e descarregam aqueles que estão dispostos.
Para quem quiser conhecer, http://www.myspace.com/deatrancoso, apesar de seu único disco ser de 1994 (se não me engano) e sua musicalidade estar mais aflorada hoje.

terça-feira, 4 de maio de 2010

DOWN society

Elis falou. Cantou suas músicas dando o recado. Era como se recitasse, olhando no olho da alma, e dando o recado. Maravilhosa cantora, sua goela é terapêutica. Gosto muito dela cantando Alô alô marciano, tirando sarro de si mesma, da fina hipocrisia da burguesia, de toda imbecilidade da alienação.
Vivemos num mundo preconceituoso, com infinitos muros de apartheid e castas (oficiais ou mascaradas), onde se vende a vida por dinheiro, estatus ou poder. Particularmente no Brasil, a violência urbana é cada vez mais banal, e como disse uma mãe recentemente, "meu filho não foi mais um (assassinado). Foi meu filho". Morte por carro, por dinheiro, por droga, futebol... uma lista sem fim.
Diante do absurdo da desvalorização humana, às vezes o humor escrachado, sarcástico, funciona como um antiácido para o desconforto existencial.


"ai, que transcendental que é o jazz , não?"

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Beije meu anel

O poder segue corroendo o que toca, como Midas e seu ouro maldito. No mesmo dia em que Lula ganhou destaque na Times como líder mundial, o STF rejeitou a alteração da lei da anistia, permitindo que torturadores da ditadura continuem no anonimato.
Vivemos no país do esquecimento, do deixa pra lá. Muitos estrangeiros acham o Brasil uma selva exótica, cheia de sexo e animais selvagens à solta. Realmente, animais à solta não faltam. Insistindo em proteger com direitos humanos os atos andróides, inumanos (como a tortura, violência urbana bárbara e assim por diante), mostramos que realmente vivemos numa selva. Uma selva comandada pelo rei invisível do poder. Beije o anel, pois as coisas serão como o rei quer.
Só que o rei não pode mais ser decaptado (e substituído). Precisamos sim, de educação e consciência na floresta, pra valorizar nossa condição humana, aprender o valor do voto e de uma postura cidadã.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Encontro

Claude Monet, The Beach at Trouville

Edward Hopper, Theater


Os melhores encontros são aqueles que não esperamos.
Os melhores encontros são aqueles em que não estamos esperando tanto da vida.
São aqueles em que o inesperado é maravilhoso.
Os melhores encontros são aqueles em que nos encontramos com nós mesmos.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Frida




O Filme Frida (2002 direção de Julie Taymor), é uma obra de arte. Uma obra representando outra obra. Os quadros de Frida Kahlo estão presentes no filme, interligados com a história da pintora, e são tornados vivos, como parte da vida e dos momentos da vida dela.
Frida pintou seus horrores, suas dores, sua existência intensa. Retratou a solidão e a dor humana com a mesma força que viveu sua vida, marcada pelo acidente trágico em sua juventude, pelas suas atitudes corajosas frente a desafios, por sua sexualidade vibrante (ela transou homens, mulheres e até Trostsky!) e, claro, por seu amor por Panzón, ou melhor, o pintor Diego Rivera.
Frida é um filme para quem gosta de Frida, e para quem gosta de arte. Lindo em estética e aparentemente fiel em conteúdo, é - como Frida - envolvente.

sábado, 24 de abril de 2010

Do amar

Diego Rivera era um homem grande. Grande estatura, grandes posicionamentos, grandes apetites. Pintava paredes inteiras. Pinturas grandes, como ele. Políticas, como ele.
Três anos após a morte de Frida Kahlo, Diego partiu também. Ele, grandioso, deixou uma última palavra artística antes de ir. Deixou registrado em sua última obra o que lhe mais era sagrado (ele, ateu socialista marxista): em suas últimas pinceladas, Diego eternizou um pequeninho retrato de Frida, seu amor.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Mário Testino

Mário Testino, fotógrafo peruano, lançou o livro MaRio de Janeiro Testino, com fotos da cidade maravilhosa e suas muitas belezas naturais. Uma palhinha do trabalho personalíssimo dele.






quarta-feira, 21 de abril de 2010

Hendrix



Jimi Hendrix: canhoto, bruxo, gênio. Tocando nos moldes do rock-blues já supera a maioria dos músicos do gênero. E isso é o que de mais simples ele tem a oferecer.

Hendrix não foi apenas o músico que quebrou a guitarra, ele foi também o músico que quebrou moldes e molduras da música, levando a experiência da guitarra a um nível superior. Fazendo a guitarra cantar, cantando com ela.

Assim como tantos experimentadores, fez da música uma experiência, muito psicodélica, cheia de energia. Veio e se foi como um trovão, que deixou uma marca de luz e som que estremeceu ouvidos e almas.




domingo, 18 de abril de 2010

Sérgio Assad

Descobri agora Sérgio Assad, junto com esse vídeo imperdível. Música linda, sem palavras nem expectativa de palavras, ou de qualquer outro complemento. O elan da apresentação ao vivo dá "a liga" final à apresentação.


quarta-feira, 14 de abril de 2010

Projeto CCOMA


Ontem a palhinha do Sarau Elétrico foi o Projeto CCOMA. Dois caras de Caxias que fazem um som muito legal, misturando jazz, percussão, eletrônica, numa proposta bem criativa.
A mistura desse caldo (na forma apresentada ontem, o "saravá-eletrônico") soa como uma espécie de lounge muito bem temperado. A apresentação inclui projeções, que dão um toque ainda mais "não-familiar" à dupla. Uma boa pedida para sair do coma vigente.
Para conhecer mais:

SARAVÁ!

terça-feira, 13 de abril de 2010

Você tem fome de quê?


Comida comida comida! O que te satisfaz?
Não sou muito natureba, mas aprecio comida que faz bem. Hoje conheci o restaurante Mantra, que trabalha com alimentação vegan (não usa nada de origem animal, como carne, ovo, leite, etc) - até aí nenhuma grande novidade - e segue princípios da alimentação ayuverda, que busca balancear os elementos para um resultado harmônico. Ou seja, o que é apimentado é bem recebido por outro alimento que é mais adocicado, e assim por diante, encerrando uma comida feita para combinar energeticamente.
Posso não estar explicando aqui nos termos certos e tudo mais, mas saindo do restaurante entendi o significado disso, me sentindo alimentado, revigorado e em equilíbrio.
É uma proposta de uma relação com a comida diferente da ocidental, buscando uma satisfação e nutrição mais "espiritual". Um espaço simpático e acolhedor garantem uma ótima refeição.
Para quem mora em Porto Alegre, o restaurante fica na Santo Antônio nº 372.

São servidas porções prontas (entrada, prato principal e sobremesa) que podem ser repetidos à vontade. O valor do almoço é R$15,00.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

A dignidade da arte


Tholl - Imagem e sonho

Eu escrevo para os que não podem me ler. Os de baixo, os que esperam há séculos na fila da história, não sabem ler ou não tem com o quê.
Quando chega o desânimo, me faz bem recordar uma lição de dignidade da arte que recebi há anos, num teatro de Assis, Itália. Helena e eu tínhamos ido ver um espetáculo de pantomima, e não havia ninguém. Ela e eu éramos os únicos espectadores. Quando a luz se apagou, juntaram-se a nós o lanterninha e a mulher da bilheteria. E, no entanto, os atores, mais numerosos que o publico, trabalharam naquela noite como se estivessem vivendo a glória de uma estréia com lotação esgotada. Fizeram sua tarefa entregando-se inteiros, com tudo, com alma e vida; e foi uma maravilha.
Nossos aplausos ressoaram na solidão da sala. Nós aplaudimos até esfolar as mãos.

Eduardo Galeano

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Arte em Moleskine

Estou descobrindo o Moleskine, aqueles blocos de anotações famosos (e metidos a besta, cheios de tecnologia) que fazem a cabeça de muita gente criativa. Muitos blogs repetem a história do caderninho, então não vou fazê-lo aqui, indicando apenas o site oficial (http://www.moleskine.com) e um Wiki (http://pt.wikipedia.org/wiki/Moleskine) pra quem quiser conhecer a marca.
A parte ainda mais criativa da coisa, que vem com seu uso, pode ser conhecida no blog http://www.skineart.com/, que reúne desenhos muito bacanas em Moleskines. Companheiro de viagens e idéias, o famoso bloco parece acolher bem tanto idéias como desenhos. Aqui na terrinha custa em torno de 40 reais, enquanto que no primeiro mundo (amazon.com), meros dez dólares.

Joseph R. Tomlinson

Abby

Damien Slevin

sábado, 3 de abril de 2010



A saudade é um sentimento universal, não tem cura.
Só derramo longos ventos
de pensar o que passou.
Quem me dera uma vez
vetar estes versos sem surpresa.

quinta-feira, 25 de março de 2010

João Gilberto ao vivo

Ouvi o disco de João Gilberto ao vivo em Montreaux, no qual o artista toca canções famosas, como Sem Compromisso. Algumas delas são, nos discos de estúdio, curtinhas, entre um ou dois minutos, mas ao vivo elas são executadas em quatro, até seis minutos, com a repetição de suas pequenas estrofes. Ouvindo pela primeira vez pensei "isso deve ser muito chato ao vivo, a musica curtinha repetindo, repetindo".
Aí pesquisei sobre os shows de Joãozinho (pra me amansar), e li um produtor dizendo que o artista cria um clima "de catedral" ao vivo, e isso me bateu. Voltei pro disco e entendi o que o cara disse. Realmente, o músico faz a música ir além, transcende a simples voz e o simples violão. Há algo mais que isso. Há algo mais do que voz e violão ali, naquele momento. Como um quadro de Pollock, em que há mais do que quadro e tinta: existe um elemento extra, invisível. Tem algo ali mais do que quadro e tinta.
Como na música Sem Compromisso, a repetição da pequena letra de novo e de novo cria quase que uma dissociação das palavras, a genialidade transforma a letra em algo mais, algo além, somado a batida de violão. Me lembrei então dos mantras, que criam um estado contemplativo pela repetição de palavras. Claro, João não esta apenas repetindo algo, mas interpreta a canção. Também não tem nada a ver com o Deus da igreja, que tem música e até rock para os rebanhos, digo, fiéis.
De qualquer forma, a arte tem essa natureza transcendental, de transformar o comum em além-comum. A profunda beleza da música (para mim em especial a ao vivo que capta o momento presente da execução e as nuanças em que isso implica) leva a um prazer sutil, quem sabe pelo abandono ou transmutação do comum.

"Se um músico estiver tocando,
se um pintor estiver pintando,
se uma pessoa dança com a alma,
se alguém estiver inteirado em algo,
fique pertinho, quietinho e aberto,
pois Deus, por certo,
está rondando por ali"
Osho

GUSTAVO.

segunda-feira, 15 de março de 2010

o único amor possível

Amor liberdade:
o que é agora vai deixar de ser um dia. Consigo amar o agora.

Amor apego:
querer que fosse como era. Rejeito o agora.

Meu pai não gosta de como as coisas são agora. Ele não entende na época dele, as coisas apenas eram diferentes das da época do pai dele. Agora, são diferentes da época dele. Depois, serão diferentes da minha época. A vida termina para a vida continuar.

sexta-feira, 12 de março de 2010

olhar brasileiro



Olha pra mim uma mulher e pergunta
No seu olhar, um lugar
Não um lugar sabido, mas desconhecido
O olhar de um lugar perdido
sem esperar ir para lugar nenhum
Um lugar que não espera nada da vida
No olhar brasileiro, a desolação
de ser sugado e ser feliz
No olhar brasileiro, a malícia
de sugar o outro e rir
De qualquer forma, todos somos vencidos
pelo peso de viver

quinta-feira, 11 de março de 2010

estofo

E se uma furadeira furasse meu pensamento?
Assim como uma almofada.
Será que algo vazaria dele?
O que tem dentro do pensamento, que faz dele pensamento?
Silicone, isopor ou espuma?
Guardaria a ferramenta e sentiria a sensação
de ser sustentado pelo vazio.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Música pra quê?

Conversando com uma amigo meu, ele falou assim de um disco que adoro, "esse aí é fraquinho, tu tem que ouvir os que sairam logo depois". Entendi o que ele quis dizer, mas não concordei totalmente. O disco é Transa, do Caetano.
Falávamos de percussão, e os discos que vieram logo depois desse, realmente investiram mais na percussão e na "cozinha" das músicas. Caetano entrou em contato com a música africana em meados da década de 70 e trouxe essa sonoridade para seus próximos trabalhos, como Bicho e assim por diante. Mas fiquei pensando, o que faz um bom disco?
Quem dá valor somos nós, e nós mesmos criamos as medidas para medir o valor. Um disco que tem boa percussão pode não ser assim tão bom em outros aspectos, como letras ou arranjos. Já um outro, pode ter uma ótima sonoridade voz/violão e não agradar na percussão.
Cada disco se apresenta como um recado, cheio de tons, cores e formas, que agradam por seus aspectos, individualmente, ou pelo seu todo.
Nessa onda, fica o registro do disco Brasileirinho, de Maria Bethânia, que é muito bom em sonoridade, percussão e tudo mais. Não sou muito fã dela, mas esse disco, salve salve! Pra estudar, praticar ou simplesmente ouvir.
Fica a dica!




quarta-feira, 3 de março de 2010

Soneto do amor total


(...)

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

Vinicius de Moraes

terça-feira, 2 de março de 2010

segunda-feira, 1 de março de 2010

Silêncio




Aqui é sim um blog que procura poesia e arte em geral. Mas não dá para não fazer parte do mundo - pelo menos nesse momento do mundo. Parece que acontecimentos similares ecoam pelos continentes com violência alarmante. Não estou falando (apenas) de tsunamis e terremotos, mas da violência humana. Muitos céticos dizem que ela sempre existiu, e, sim, ela sempre existiu. Mas vivemos um momento de transformações e abalos, nem tão sutis assim.

Ontem no Parque da Redenção uma briga de gangues deixou vários jovens feridos em um ataque armado com pistolas. A reação natural de quem é informado sobre eventos desse tipo é, geralmente, se distanciar da violência, colocar ela longe, sob um título qualquer. "Selvageria". Acontece que a violência urbana toma conta cada vez mais do nosso cotidiano.

Em vez de apenas reforçar uma auto-imagem de pacato cidadão que nada tem a ver com isso, que tal começar a ver a violência que existe em si, e onde ela se manifesta. Ou colocamos nossa agressividade em ações, ou agrediremos como defesa. Que tal se colocar na sociedade como um ser vivo, que possui direitos e obrigações, dentre eles, de não matar e não ser morto. Quando os bons calam sua razão, a selvageria predomina.

A selva fica cada vez mais fechada onde não se abrem caminhos.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Um que tenha!


Sacoleiros de plantão! "Um que tenha" é um site cheio de álbuns em mp3 para download, com muita mpb e outros gêneros. Utiliza o rapidshare, pelo que vi, então está sujeito aos contratempos normais desse serviço, mas vale a pena pelo "estoque" de material.
Inclusive tem o disco do Trezegraus para download, um projeto aqui de Porto Alegre muito bacana e original.

Atenção! Este blog não encoraja nenhuma forma de pirataria ou transmissão ilegal de músicas, prestando-se apenas ao serviço de difusão cultural.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Cidade maravilhosa


Ah, o carnaval.
A alegria toma conta, o colorido diverte e o movimento entretém.
Não tem ano que comece sem carnaval no Brasil.
Toda a explosão é real.
Mas muito do que se põe pra fora é parte de um esquecimento.
Depois de tanta serpentina, só podia vir um dia de cinzas.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Amavisse

Como se te perdesse, assim te quero.
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro

Um arco-íris de ar em águas profundas.

Como se tudo o mais me permitisses,
A mim me fotografo nuns portões de ferro
Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
No dissoluto de toda despedida.

Como se te perdesse nos trens, nas estações
Ou contornando um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios inundada.

Hilda Hilst

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Teologia/1

Esses contos do Galeano estão sendo uma grande inspiração. Como não faz bem ao coração reprimir paixões, coloco mais uma historinha aqui.



O catecismo me ensinou, na infância, a fazer o bem por interesse e a não fazer o mal por medo. Deus me oferecia castigos e recompensas, me ameaçava com o inferno e me prometia o céu; e eu temia e acreditava.
Passaram-se os anos. Eu já não temo nem creio. E em todo caso - penso -, se mereço ser assado cozido no caldeirão do inferno, condenado ao fogo lento e eterno, que assim seja. Assim me salvarei do purgatório, que está cheio de horríveis turistas de classe média; e no final das contas, se fará justiça.
Sinceramente: merecer, mereço. Nunca matei ninguém, é verdade, mas por falta de coragem ou de tempo, e não por falta de querer. Não vou à missa aos domingos, nem nos dias de guarda. Cobicei quase todas as mulheres de meus próximos, exceto as feias, e assim violei, pelo menos em intenção, a propriedade privada que Deus pessoalmente sacramentou nas tábuas de Moisés: Não cobiçarás a mulher de teu próximo nem seu touro, nem seu asno... E como se fosse pouco, com premeditação e deslealdade, cometi o ato do amor sem o nobre propósito de reproduzir a mão-de-obra. Sei muito bem que o pecado carnal não é bem visto no céu; mas desconfio que Deus condena o que ignora.

O livro dos abraços, de Eduardo Galeano.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Crônica de uma chuva

















Ando pelo centro de Porto Alegre. O céu preto, o ar quente. De repente, a chuva começa a cair tempestuosa, sem cerimônia. As pessoas ficam bobas, se esgueirando nas marquises. Os minutos seguintes são de surpresa, a chuva ganha corpo, ensopando todos os corpos em seu caminho.
Pessoas, que logo antes caminhavam pingando suor, passam a pingar água. Fiz o que se faz quando a chuva levanta água nas calçadas, busquei abrigo debaixo da ponte. Fui para debaixo do viaduto da Conceição pegar um ônibus.
O guarda-chuva não deu conta de nada, cada passo vertia água do tênis encharcado, bermuda e camisa molhadas. Debaixo da ponte, a comparação inevitável, os totalmente molhados e os totalmente secos. Me enquadrando no segundo grupo, cheguei em casa e tive que tomar um (outro) banho, para me lavar da chuva.

GUSTAVO.

Entre o saber e o foder


























Meus pensamentos vagem
entre os números da matemática
e os pentelhos da buceta.

Minhas mãos lançam mão
de notas acadêmicas
e gemidos tropicais.

Suar. Suar, talvez gozar.

Penetrar com meu corpo
(precisão científica)
e ser recebido com prazer.

A vida de mil e uma faces,
âmbitos do saber
recôncavos e piças a estremecer.

Homenagem à Hilda Hilst.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Sexta-feira inspiração


'Por maior que seja o buraco em que você se encontra, pense que, por enquanto, ainda não há terra em cima'

Dercy Gonçalves

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

A burocracia/3


Sixto Martínez fez o serviço militar num quartel de Sevilha.
No meio do pátio desse quartel havia um banquinho. Junto ao banquinho, um soldado montava guarda. Ninguém sabia por que se montava guarda para o banquinho. A guarda era feita porque sim, noite e dia, todas as noites, todos os dias, e de geração em geração os oficiais transmitiam a ordem e os soldados obedeciam. Ninguém nunca questionou, ninguém nunca perguntou. Assim era feito, e sempre tinha sido feito.
E assim continuou sendo feito até que alguém, não sei qual general ou coronel, quis conhecer a ordem original. Foi preciso revirar os arquivos a fundo. E depois de muito cavoucar, soube-se. Fazia trinta e um anos, dois meses e quatro dias, que um oficial tinha mandado montar guarda junto ao banquinho, que fora recém-pintado, para que ninguém sentasse na tinta fresca.


p.62 O livro dos abraços, de Eduardo Galeano

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Olhares

Quando a gente é criança, tudo ganha vida sem esforço:

sábado, 9 de janeiro de 2010

Curumin é um músico de São Paulo, que revoluciona a mistura de samba, música eletrônica e rock. Essa música é do segundo disco, Japan Pop Show, e fala do sentimento das andanças urbanas. Mais um quintal que vira internacional (bem internacional).

"acendendo as idéias...."