segunda-feira, 29 de junho de 2009

o vento alisa meus cabelos

O vento alisa meus cabelos
como se fosse mão materna:
abrindo a porta das lembranças
o pensamento de mim sai.

São outras vozes as que levo,
é de outros lábios o meu cantar:
a minha gruta de lembranças
tem uma estranha claridade!

Frutos de terras estrangeiras,
ondas azuis de estranho mar,
amores de outros homens, penas
que eu não me atrevo a relembrar.

Vento, o vento que me penteia
como se fosse mão materna!

Perde-se a verdade na noite:
não noite nem verdade!

Deitado em meio do caminho
deverão pisar-me para andar.

Passam por mim seus corações
bêbados de vinho e de sonhar.

Sou uma ponte imóvel entre
o coração e a eternidade.

Se eu morresse de repente
não deixaria de cantar!

Pablo Neruda, em Crepusculário.
Mais sobre o poeta.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

a vida que deus não quis

a vida que deus não quis -
caminhos tortos
linhas de digitais
naturais.
a vida tortuosa
não é virgem
é vertigem
na queda do penhasco
no pôr-do-sol,
na ondulação d'água,
na fermentação do vinho,
no grito da vida
recém-nascida.

GUSTAVO.




Mulher com papagaio,
Dedicado a Baco, Vinicius velho saravá, aos loucos, a Nietzsche, aos apaixonados, Rumi e sua gangue, a Osho e sua cunhada...

quarta-feira, 24 de junho de 2009



Vem,
Te direi em segredo
Aonde leva esta dança.

Vê como as partículas do ar
E os grãos de areia do deserto
Giram desnorteados.

Cada átomo
Feliz ou miserável,
Gira apaixonado
Em torno do sol.



Jalaluddin Rumi

terça-feira, 23 de junho de 2009



As palavras são como um dedo apontando para a lua: cuida de saber olhar para a lua, não se preocupe com o dedo que a aponta.


Dois koans:


Um jarro, ao se espatifar no chão, ainda é um jarro inteiro desenhado no ar.

O elefante estava dançando sobre a pulga, porque a pulga estava em cima do elefante.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

cegueira

defina
o que não se vê
mas se vê
no clichê
démodé
corrosiva
repetição
agonia
cega
tiros
no escuro
corrosiva
repetição
teatro
absurdo
com único
espectador.

GUSTAVO

terça-feira, 16 de junho de 2009

Chega de saudade

Vai minha tristeza
E diz a ela que sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece
Que ela regresse
Porque eu não posso mais sofrer

Chega de saudade
A realidade é que sem ela
Não há paz não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim
Não sai de mim
Não sai

Mas, se ela voltar
Se ela voltar que coisa linda!
Que coisa louca!
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos
Que eu darei na sua boca

Vinicius de Moraes

domingo, 14 de junho de 2009

Cecília Meireles, Cânticos

VI

Tu tens medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.

E então serás eterno.

Jan Vermeer, Milkmaid

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Koan

Da tradição zen, se a mente é compulsiva, então relaxar a mente (ou relaxar na mente) leva a um estado de clareza. O caminho apontado para alcançar esse estado de clareza é a meditação, comumente praticada sobre um zafu - uma almofada redonda.
Dentro dessa tradição, o koan aparece como um recurso aos alunos. É uma afirmação, narração ou diálogo que busca freiar a razão. Esse pequeno koan poético roubei de um site agora adicionado aos links, que se chama KOANS.


Sobre o zafu, ninguém, sob o zafu, nenhum chão.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

o vazio não vaza
é sólido enraizado.
bruto é o resto
de realidade.
em caixas quebradas,
restos de sonhos,
lembranças de tormentas.
o olho d'água que brilha,
só.

GUSTAVO

terça-feira, 9 de junho de 2009

Parabéns atrasado!

"Feliz Aniversário, Darwin!

Charles Darwin completaria hoje 200 anos, não fosse pela seleção natural. Ela, afinal, é a maior responsável pelo barroco processo de desenvolvimento que leva os organismos complexos inexoravelmente à morte - conceito que não se aplica muito a bactérias e arqueobactérias, seres que se reproduzem gerando clones de si próprios, partilham identidades com a transferência horizontal de genes e podem ficar milênios em vida suspensa (no gelo, por exemplo).
A contribuição de Darwin para a ciência e para a história, porém, continua viva, e muito viva, exatamente com a ideia de seleção natural. Só por isso ele já merece os parabéns. Feliz Aniversário, Darwin."


Por Marcelo Leite, em 12/02/09, aqui.

domingo, 7 de junho de 2009

segue o teu destino,

segue o teu destino,
rega as tuas plantas,
ama as tuas rosas.
o resto é a sombra
de árvores alheias.

a realidade
é sempre mais ou menos
do que nós queremos.
só nós somos sempre
iguais a nós-próprios.

suave é viver só
grande e nobre é sempre
viver simplesmente.
deixa a dor nas aras
como ex-voto aos deuses.

vê de longe a vida
nunca a interrogues.
ela nada pode dizer-te. a resposta
está além dos deuses.

mas serenamente
imita o olimpo
no teu coração.
os deuses são deuses
porque não se pensam.

Fernando Pessoa (como Ricaro Reis), 01/07/1916.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

vi uma poesia no dia-a-dia

todo dia
fantasia
sombras
poesia

quantas ideias boas perdidas nos ônibus?
fantasmas.

GUSTAVO

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Brasil, meu Brasil brasileiro

"O trem corre no trilho
Da Central do Brasil...
Incluindo paixão antiga,
E aquele beijo quente
Que eu ganhei da sua amiga.
E o que é que deu?
Funk na cabeça.

Alô, Alô tia Léia
Se tiver ventando muito
Não venha de helicóptero

Alô, Alô W Brasil..."


W/Brasil, de Jorge Ben Jor

Desnudos

(Adioses. Ausencia. Regreso)

Nacía, gris, la luna, y Beethoven lloraba,
bajo la mano blanca, en el piano de ella...
En la estancia sin luz, ella, mientras tocaba,
morena de la luna, era tres veces bella.

Teníamos los dos desangradas las flores
del corazón, y acaso llorábamos sin vernos...
Cada nota encendía una herida de amores...
-El dulce piano intentaba comprendernos.-

Por el balcón abierto a brumas estrelladas,
venía un viento triste de mundos invisibles...
Ella me preguntaba de cosas ignoradas
y yo le respondía de cosas imposibles...

Juan Ramón Jiménez

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Henry Matisse - Music

Estréia!

todas as ideias guardadas
no saco de ideias guardadas
com medo de serem roubadas
me deixam de saco cheio

GUSTAVO